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                   A NOVA REPÚBLICA - ELEIÇÃO DE TANCREDO NEVES 
                  BRASÍLIA  - 20-01-1985 
                    
                  Foi  em um dia de chuva que fui ao Congresso Nacional fotografar a festa popular na  eleição indireta de Tancredo indireta de Neves. Verde e amarelo, hino nacional,  muitas bandeiras do Brasil, populares excitados pela emoção cívica, carnaval na  rampa, gente escalando com faixas a abóboda do Senado, e  até uma imensa bandeira do PC adornava as  plataformas do grande edifício.  
                     
                    O povo irmanado, cantava e exultava a consagração do velho político mineiro,  discípulo de Getúlio Vargas e continuador da obra de Juscelino Kubitschek. O  país inteiro parou para ouvir a votação, embora o resultado já fosse inevitável  pela arrasadora preferência pelo nome dele. Fogos de artifício eclodiam no ar,  gritos e abraços, entusiasmo contagiante. 
                     
                    Há muito tempo a nação não se irmanava em uma fé coletiva, em calor humano, em  esperança e credibilidade! 
                  Confesso que chorei quando ouvi o discurso do velho pessedista, agora apoiado  pela Aliança Democrática. Chorei com os sentidos, não com a razão. Não deixei  que a lógica, o raciocínio, o ascetismo próprio do intelectual tolhesse a minha  sensibilidade. Verti-me em lágrimas, com o coração apertado e a garganta  afogada, como quem recupera a liberdade, se derrama pelo espaço conquistado. 
                  É  o começo da Nova República, da transição democrática, das mudanças.  Para mim   que amava Juscelino, que apoiei Jango e queria um país mais humano, mais  nacionalista, mais fruto e obra de nosso talento e criatividade, a eleição de  Tancredo foi uma reconquista, a la recherche du temp perdue.  
                    A Revolução foi um terrível pesadelo de 20 anos, uma Idade Média, um hiato.  Agora sente-se a volta ao Brasil mais fraterno, já que sobre ele ainda  persistirão vetos e limitações. 
                    De repente uma chuva torrencial desabou sobre todos nós.  
                     
                    Fiquei encharcado da  cabeça aos pés, sem aflição. Deixei-me ficar um bom tempo, deliciando-me com os  pingos fortes e a água correndo pelo chão. Senti-me lavado e purificado,  renascendo, desmistificando tudo, retomando um mundo que parecia inatingível. A  Revolução intimidou, coagiu, tolheu a imaginação, o talento, a inteligência.  Corrompeu os espíritos, amesquinhou almas e encarcerou os sonhos. Ficamos  postados diante de autoridades ocas, distantes, coercitivas, prepotentes.  De repente esse mundo de autoritarismo começa  a ruir, a desmoronar-se sem recorrer à repressão... 
                     
                    No dia seguinte, em um bar (“danceteria”   Amore Mio”) um grupo cantava o hino nacional, cheio de fé  e de regozijo!  Quem cantaria o hino pátrio, em semelhante  circunstância, em tempos de Geisel ou do Médici? Hino nacional era usado nas  greves e nas marchas de protesto, nunca em dias de júbilo. Os tempos são  outros, mesmo que tardios. 
                     
                    Ainda em clima de festa é que volto à Chácara Irecê, na fronteira de Goiás. Vim  escrever um discurso para uma autoridade do MEC e disfrutar dessa paz, do  sossego e da felicidade desse período transitório, apesar da chuva, da inflação  e de todos os problemas da vida que nos cabe viver. 
                
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